Big Brother
Global
.
O Grande Irmão
ilude
vigia
vende
(me) (se)
(lhe) (O)
Grande Irmão
.
Detendo a minha imaginação
o meu pensamento
as minhas pulsações
Até mesmo este lamento
sob a tutela do Grande Irmão
.
O Grande Irmão o brinquedo
desejado por todas crianças
Sua babá, Seus pais, Sua escola,
Sua pose já natural para a self
entre uma e outra brincadeira
.
Pois nada mais existe
longe da benção ou do não
desse grande espião
Nada padece ou floresce
ele não tenha registrado
processado em código barra
.
O Grande Irmão na analogia com a experiência
dos eletrodos ligados ao primata
Estimulando seus centros de prazer
o botão na jaula com o leão
Apertado incessantemente por ele
(até à morte pós trabalho e exaustão)
.
O sino que condiciona o cão
O maior ídolo falso
desde o bode de ouro
O maior de todos os tentáculos
porque milhares, milhões,
infinitos,
.
O Grande Irmão sempre presente
na cama dos amantes
(nos confessionários)
Antes, durante, depois,
beijando o beijo dos namorados
impregnado em todos os lábios
.
O Grande Irmão também
levo na mão, nos olhos, na mente
nela erigindo pontes
Impedindo o aprendizado profundo
tornando a realidade sem-graça
.
O Grande Irmão me beija à mão
antes de algemá-la a
sua meta de mega
pixels e padrões inalcançáveis
.
Despejados no coração
Então me sinto frustrado
(pois assim consumo mais)
E irritado que não os alcancem
(não alcancem o impossível)
.
Pois em seu universo paralelo
: se há goteiras, não caem na cabeça
: se há tombos, na canela não doem
O dito imperfeito só há na
publicidade de cosméticos
(acesse o aplicativo, saque da conta)
.
O Grande Irmão oferecendo
o que eu não precisava ter
mas me sinto obrigado a
e a satisfação passa rápido
.
Já que, só ali, o estímulo é contínuo
A ditadura é perfeita
invisível – disseram
Ainda que às vistas
na melhor das estratégias
.
Quem poderá
contra o
Grande Irmão?
.
.
*daniel ricardo
barbosa.
.
(na imagem, uma outra obra de Pawel Kuczynski.)
três poemas
pelo fim de todos
os janeiros
etílicas elucubrações noturnas
desprovidas de senso prático
se fosse poesia não seria isso
seria sangue - sêmen - vício
fálico artifício
inflado orifício
a festiva perda completa
da mais viva vida inteira
o íntimo entalhe preciso
dessa dor mais derradeira
uma paisagem de garrafas
uma cidade cantando
o riso escorrendo solto
da boca dos morros
se fosse poesia
e sem saber até quando
........................................................................
o futuro chegou tarde
nunca fomos tão longe
nunca caímos tão baixo
........................................................................
um poema nasce
dentro do ouvido
o sentido
fora do corpo
a cidade
sobreTudo
fora da palavra
nada existe
dentro
tudo escuro
........................................................................
duas cervejas servidas
em um sol amarelo - manteiga
o júbilo arregalado
dos teus rútilos olhos súbitos
se fosse poesia
seria isso
Intertexto :
Dionísio Ares Afrodite
Paulo Lemimski
não houve acerto
entre fartura e ofício
a rota perdeu o rumo
o resto partiu a reta
o que falta eu sinto
e com isso eu finto
o que fácil me cala
e infiel me mata
mesmo que sentido
não haja bastante
e a foz talvez
não se alcance
fica esse arado
inscrito no rasgo
a fértil fúria
do acaso
de sermos isso
e mais nada
dois signos surdos
em mais uma dor suja
em busca do
súbito salto
da mais profunda
palavra
um céu escuro
dentro da boca
da inquietude
espectral das
hostis esferas -
pandemônios
migratórios
encerram
colapsos -
lábios leporinos
aceleram
urbanas
urgências -
carências
estomacais
roendo
o traçado
disforme dos
passos -
pássaros tortos
mortos no chão
azul da tarde -
usinas de urânio
cercam praias
petrificadas -
um exército
de palavras
cerzidas em
um céu escuro
dentro da
boca -
torrenciais
insanidades
nas bordas
peludas do
corpo -
poetas per
versos e
pernósticos
renomados
disputam
espessos
espaços -
indômitas
caravanas
apocalípticas
vendem
tropicais
cataclismas -
o vício da fome
devorando
tudo -
nossa
paisagem de
ossos - destroços
- janeiros de
sangue no
pescoço das
plantas
garbo
gomes
janeiro/ 2024
UVA.PR.BR.
Arte:
A canção do rouxinol à meia -noite
e a chuva da manhã
Joan Miró
( 1940 )
— em União da Vitória
O ENCONTRO
A vida em sociedade sempre lhe fora
hostil, razão pela qual buscava a solidão. Encontrara, portanto, o lugar ideal:
um casarão mal-assombrado, cujo aluguel cabia folgado em sua aposentadoria.
Pudera. Ninguém conseguia morar no local por muito tempo: barulhos de corrente,
louças voadoras, vultos furtivos – tudo isso desvalorizara drasticamente o
imóvel.
Ele, no entanto, não dava a mínima
para essa questão. Convivia tranquilamente com os fantasmas da casa, local que
no passado foi cenário de um incêndio que vitimou toda uma família. A mesma a
quem atribuíam aqueles distúrbios sobrenaturais.
Um dia, ruídos no quarto despertaram
o novo inquilino. Ele abriu os olhos e na semi-escuridão vislumbrou ao seu
redor um grupo formado por dois adultos, um adolescente e uma criança. Todos
lhe sorriam.
Deles não sentiu medo, pois já sabia
quem eram.
O chefe da família adiantou-se e
estendeu-lhe a mão: “Seja bem-vindo”.
O inquilino estranhou. Afinal,
convivia com eles há meses. Por que então só agora resolveram aparecer para lhe
dar as boas vindas?
A estranheza desfez-se quando se
voltou para cama de onde se levantara. O que viu não o assustou; pelo
contrário, trouxe-lhe até certo alívio. Já não teria mais necessidade daquele
corpo solitário. Dali em diante tudo seria diferente. Finalmente, havia
encontrado uma família.
[Wilson gORj]