domingo, 4 de fevereiro de 2024

Artur Gomes - O Homem Com A Flor Na Boca

Artur Gomes

O Homem Com A Flor Na Boca

Um Canibal Tupiniquim

 por Fernando Andrade | escritor e jornalista

 Um homem cita um poema de nome. O músico já usou a cítara para musicar este poema pelo nome. Tudo já foi transformado, o poema para canção, a rima comeu a melodia e fez troça e troca de nome. Mas o poema do livro O homem com a flor da boca, da editora Penalux, nos devolve este país, do samba, do riso piada, Leminski, a força do ato canibalista de deglutir o que veio antes da poesia concreta, até a letra da canção de Luiz Tatit. Artur Gomes fez das suas, com tanta fome, comeu a maioria dos poemas que leu na vida e canibalizou e carnavaliza referências, citações, humor de longa estrada, ou beira de bar, trabalhando com gume de faca afiada e o lume de um pôr do sol em Ipanema, lembrando Vinícius.

São poemas bons para musicar tanto na solidão de um violão, quanto, atravessada por uma voz tenor, sax soprano. E não falta sexo, sacanagem, tesão, nas palavras das palavras num atravessamento em plena Quarta feira de cinzas, no resultado do carnaval. O desbunde da bunda, o levante dos órgãos, a gíria, e a menina com fio da linha escrita, carregando anedotas, fábulas e circos. O poeta não faz gênero, ele é macho, e fêmea, Simone, em segundo sexo. São poemas para emprestar ao amigo que está com fone de ouvido se atentar para a prosódia do verso, para quem sabe não copiar e transformar Amor em flor na boca.

 

https://www.literaturaefechadura.com.br/2024/01/22/livro-de-poemas-o-homem-com-a-flor-na-boca-canibaliza-a-historia-brazuca-do-verso-em-poemas-tropicalistas/


                          poesia

 

I

chegas a mim

como uma égua assanhada

não quer saber do meu carinho

só quer saber de ser trepada

 

II

 

eu te penetro

em nome do pai

do filho

do espírito santo

amém

 

não te prometo

em nome de ninguém

 

terra

 

amada de muitos sonhos

e pouco sexo

deposito a minha boca

nu teu cio

e uma semente fértil

nos  teus seios como um rio

 

Artur Gomes

Suor & Cio – MVPB Edições - 1985

https://personasarturianas.blogspot.com/


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

múltiplas poéticas


Big Brother Global
.
O Grande Irmão
ilude
vigia
vende
(me) (se)
(lhe) (O)
Grande Irmão
.
Detendo a minha imaginação
o meu pensamento
as minhas pulsações
Até mesmo este lamento
sob a tutela do Grande Irmão
.
O Grande Irmão o brinquedo
desejado por todas crianças
Sua babá, Seus pais, Sua escola,
Sua pose já natural para a self
entre uma e outra brincadeira
.
Pois nada mais existe
longe da benção ou do não
desse grande espião
Nada padece ou floresce
ele não tenha registrado
processado em código barra
.
O Grande Irmão na analogia com a experiência
dos eletrodos ligados ao primata
Estimulando seus centros de prazer
o botão na jaula com o leão
Apertado incessantemente por ele
(até à morte pós trabalho e exaustão)
.
O sino que condiciona o cão
O maior ídolo falso
desde o bode de ouro
O maior de todos os tentáculos
porque milhares, milhões,
infinitos,
.
O Grande Irmão sempre presente
na cama dos amantes
(nos confessionários)
Antes, durante, depois,
beijando o beijo dos namorados
impregnado em todos os lábios
.
O Grande Irmão também
levo na mão, nos olhos, na mente
nela erigindo pontes
Impedindo o aprendizado profundo
tornando a realidade sem-graça
.
O Grande Irmão me beija à mão
antes de algemá-la a
sua meta de mega
pixels e padrões inalcançáveis
.
Despejados no coração
Então me sinto frustrado
(pois assim consumo mais)
E irritado que não os alcancem
(não alcancem o impossível)
.
Pois em seu universo paralelo
: se há goteiras, não caem na cabeça
: se há tombos, na canela não doem
O dito imperfeito só há na
publicidade de cosméticos
(acesse o aplicativo, saque da conta)
.
O Grande Irmão oferecendo
o que eu não precisava ter
mas me sinto obrigado a
e a satisfação passa rápido
.
Já que, só ali, o estímulo é contínuo
A ditadura é perfeita
invisível – disseram
Ainda que às vistas
na melhor das estratégias
.
Quem poderá
contra o
Grande Irmão?
.
.
*daniel ricardo barbosa.

.
(na imagem, uma outra obra de Pawel Kuczynski.)


três poemas
pelo fim de todos
os janeiros


etílicas elucubrações noturnas
desprovidas de senso prático

se fosse poesia não seria isso
seria sangue - sêmen - vício
fálico artifício
inflado orifício
a festiva perda completa
da mais viva vida inteira
o íntimo entalhe preciso
dessa dor mais derradeira
uma paisagem de garrafas
uma cidade cantando
o riso escorrendo solto
da boca dos morros
se fosse poesia
e sem saber até quando

........................................................................

o futuro chegou tarde
nunca fomos tão longe
nunca caímos tão baixo

........................................................................

um poema nasce
dentro do ouvido

o sentido
fora do corpo

a cidade
sobreTudo

fora da palavra
nada existe

dentro
tudo escuro

........................................................................

duas cervejas servidas
em um sol amarelo - manteiga

o júbilo arregalado
dos teus rútilos olhos súbitos

se fosse poesia
seria isso

Intertexto :
Dionísio Ares Afrodite
Paulo Lemimski

não houve acerto
entre fartura e ofício
a rota perdeu o rumo
o resto partiu a reta
o que falta eu sinto
e com isso eu finto
o que fácil me cala
e infiel me mata

mesmo que sentido
não haja bastante
e a foz talvez
não se alcance
fica esse arado
inscrito no rasgo
a fértil fúria
do acaso
de sermos isso
e mais nada
dois signos surdos
em mais uma dor suja
em busca do
súbito salto
da mais profunda
palavra


um céu escuro
dentro da boca

da inquietude
espectral das
hostis esferas -
pandemônios
migratórios
encerram
colapsos -
lábios leporinos
aceleram
urbanas
urgências -
carências
estomacais
roendo
o traçado
disforme dos
passos -
pássaros tortos
mortos no chão
azul da tarde -
usinas de urânio
cercam praias
petrificadas -
um exército
de palavras
cerzidas em
um céu escuro
dentro da
boca -
torrenciais
insanidades
nas bordas
peludas do
corpo -
poetas per
versos e
pernósticos
renomados
disputam
espessos
espaços -
indômitas
caravanas
apocalípticas
vendem
tropicais
cataclismas -
o vício da fome
devorando
tudo -
nossa
paisagem de
ossos - destroços
- janeiros de
sangue no
pescoço das
plantas

garbo gomes
janeiro/ 2024
UVA.PR.BR.

Arte:
A canção do rouxinol à meia -noite
e a chuva da manhã
Joan Miró
( 1940 ) 

— em União da Vitória


O ENCONTRO


A vida em sociedade sempre lhe fora hostil, razão pela qual buscava a solidão. Encontrara, portanto, o lugar ideal: um casarão mal-assombrado, cujo aluguel cabia folgado em sua aposentadoria. Pudera. Ninguém conseguia morar no local por muito tempo: barulhos de corrente, louças voadoras, vultos furtivos – tudo isso desvalorizara drasticamente o imóvel.

Ele, no entanto, não dava a mínima para essa questão. Convivia tranquilamente com os fantasmas da casa, local que no passado foi cenário de um incêndio que vitimou toda uma família. A mesma a quem atribuíam aqueles distúrbios sobrenaturais.

Um dia, ruídos no quarto despertaram o novo inquilino. Ele abriu os olhos e na semi-escuridão vislumbrou ao seu redor um grupo formado por dois adultos, um adolescente e uma criança. Todos lhe sorriam.

Deles não sentiu medo, pois já sabia quem eram.

O chefe da família adiantou-se e estendeu-lhe a mão: “Seja bem-vindo”.

O inquilino estranhou. Afinal, convivia com eles há meses. Por que então só agora resolveram aparecer para lhe dar as boas vindas?

A estranheza desfez-se quando se voltou para cama de onde se levantara. O que viu não o assustou; pelo contrário, trouxe-lhe até certo alívio. Já não teria mais necessidade daquele corpo solitário. Dali em diante tudo seria diferente. Finalmente, havia encontrado uma família.

 

[Wilson gORj]


Live em homenagem a Antônio Cícero

No próximo dia 23 às 16:hs à convite da minha amiga  Renata Barcellos BarcellArtes  estaremos nessa live em homenagem a memória de  Antônio ...